Pedro Vaz and painting Nature 

José Marmeleira, 2021


In the history of artists operating in the landscape, Eco Vivo by Pedro Vaz is a singular project. And for very specific reasons. The project began by dividing into two locations: the Tibães forest, near the Tibães monastery, in Braga, and the Estufa Fria ecosystem, in Lisbon. In the first location, the artist proposed some pedestrian walks to the visitors, marked on a map in which the project was described. In the Estufa Fria, until 21 March 2021, there will be a display of three paintings on paper, suspended from the Estufa Fria structure, as part of the group exhibition INSITU, curated by Inês Valle. From the outset, two elements emerged that were Pedro Vaz's distinctive way of doing things: the experience of and with the body in the landscape, and painting as an aesthetic and material expansion of this experience.

As was the case on other occasions, Pedro Vaz went to a location, in this case the garden surrounding Tibães Monastery, and walked. He took routes, letting himself be carried away by the terrain and the shape of the place, searching for scenes, for landscapes that his gaze could frame, in movement, and memorise. Through the paths and the steps, he learned about beings and things, forms and elements. He observed traces of other times, contemplated the beauty of a clearing or an old water line. He probably heard birds chirping, tree trunks snapping, foliage rustling, perhaps even distant voices. Until, at the end of the walk, he decided to select three viewpoints which he marked on the land as observation stations, drawn with stones (in the shape of a triangle). These landmarks point north and indicate the views that Pedro Vaz selected on the map. 

With these walks as the starting point, Eco Vivo expresses the physical and corporeal relationship with the landscape; the sensitive, organic, holistic attention to the natural world. As in other projects and exhibitions, the haptic before the optical, the physical sensation before the glance. The second moment of Eco Vivo on the map, invited visitors to the Tibães forest to discover the places and landscapes of Pedro Vaz, but above all to immerse themselves in the space, to walk. It was not imperative that they discovered the sites (they are documented in photographs) for the work to be effective. The meaning was freer and looser: to explore the place, to lose themselves for a moment in a reflective contemplation of what they were seeing while they walked, in desirable delays. 

Pedro Vaz introduces, indeed, ecological, social and political issues into the experiences of (his) walks. The sensibility towards the landscape and the scenes of the area is not romantic, but conscious of the contemporary reality, of the conditions that constitute it. It is a work that addresses the body – its rhythms, limits, appetites – but it is also an experimental engagement, an investigation in which the physical and the aesthetic open up to the epistemological. 

That said, Pedro Vaz's intervention, as usual, is not intrusive. The stone triangles, which he places on the floor, are made of granite from the monastery, a pre-existent material, with history and memory. Inspired by the triangle of topography (which is always facing north), the artist arranges the stones in the space and, one might add, attributes them properties of a language beyond sculpture: their geometric disposition brings them nearer to the drawing. They are, above all, conceptual operations on the landscape with a limited duration, temporally and physically ephemeral, and whose memory will be kept by those who experienced it or, in a more objective sense, on the map.

From this experience of observing a trail and a landscape, Eco Vivo transported itself to a different location, the Estufa Fria, now explicitly in the form of painting. Based on the photographs of the scenes, Pedro Vaz made three paintings on cotton paper, using a compound made of moss, clay, beer, among other substances. Thus, they reappeared less as mimetic representations than sensory and physical impressions of the experiences of those walks and places. Now without a map, visitors entered INSITU, in a natural and artificial environment, an interior landscape. 

For months, between 11 November 2020 and 21 March 2021, exposed to humidity, temperature and rain, the three paintings, just like the stations in Tibães, were open to discovery, but without guidance or direction. They appeared amidst the vegetation and foliage, like planes in the depths, suspended screens, false entrances that addressed the passer-by. As artificial as that location was, they were ironically more exposed to the natural elements. Over time, they changed colour, and the visual references of the places in the Tibães forest were lost. The temperature, the wind, the organisms were doing their own painting, more watery, earthy, less domesticated. The landscape, as a mimetic motif, allowed itself to be taken up by the painting as a piece of matter, a stain, a surface. 

Pedro Vaz left the painting in nature’s hands, with its indifference and its cycles. Anyone who has had the opportunity to discover it will have noticed, for example, the passage of light and the presence of shadows. Though the paintings were the same, they were never truly the same, but when left to the nature (even if controlled) of that space they would cease to be, they would forever integrate into the landscape, they would disappear. Pedro Vaz is aware of the vulnerability of the works. Although they were made to be seen, they will have another life. They are, in a sense, markings on the ground, like the triangles, but a different kind of marking. They are, above all, paintings that emerge there (before disappearing, before returning to the domain of art), living echoes of an encounter between the human and the non-human, the natural and the artificial, human action and the mute force of nature, the silence of painting and the noises of the world.



Pedro Vaz e a pintura da Natureza 

José Marmeleira, 2021


Na história dos artistas que operam na paisagem, Eco Vivo de Pedro Vaz é um projeto singular. E por razões que lhe são específicas. O projeto começou por dividir-se em dois lugares: a mata de Tibães, perto do homónimo Mosteiro, em Braga, e o ecossistema da Estufa Fria, em Lisboa. No primeiro, o artista propôs aos visitantes a realização de percursos pedestres, assinalados num mapa em que se descrevia o projeto. Na Estufa Fria, até 21 de Março de 2021, mostram-se, suspensos da estrutura da estufa, três pinturas sobre papel no âmbito da exposição coletiva INSITU, com a curadoria de Inês Valle. Desde logo, sobressaíram dois elementos característicos de um modo de fazer, o de Pedro Vaz: a experiência do corpo e com o corpo na paisagem e a pintura como expansão estética e material dessa experiência.

Como noutras ocasiões, Pedro Vaz foi a um sítio, neste caso ao jardim que rodeia o Mosteiro de Tibães, e caminhou. Fez trajetos, deixando-se levar pelo terreno e a fisionomia do lugar, em busca de vistas, de paisagens que o seu olhar pudesse enquadrar, em movimento, e fixar. Pelos caminhos e os passos, apreendeu seres e coisas, formas e elementos. Observou vestígios de outros tempos, contemplou a beleza de uma clareira ou de uma antiga linha de água. Provavelmente, terá escutado o chilreio de pássaros, os estalidos dos troncos, o farfalhar da folhagem, quem sabe até, vozes distantes. Até que, findada a caminhada, decidiu selecionar três pontos de vista que assinalou no terreno com estações de observação, desenhadas (em forma de triângulo) com pedras de esteio. Estes marcos apontam a norte e indicam, no mapa, as vistas que Pedro Vaz selecionou. 

Iniciada com as caminhadas, Eco Vivo, afirma relação física e corpórea com a paisagem, a atenção sensível, orgânica, holística ao mundo natural. Como noutros projetos e exposições, o háptico antes do ótico, a sensação física antes do olhar. Eco Vivo encontraria o segundo momento no mapa que convocava os visitantes da mata de Tibães a descobrirem os lugares e as paisagens de Pedro Vaz, mas sobretudo a embrenharam-se no espaço, a caminharem. Não era imperativo para a eficácia do trabalho que descobrissem os sítios (encontram-se documentados em fotografia). O sentido era mais livre, desprendido: explorarem o lugar, perderem-se por momentos numa contemplação refletida sobre o que estavam a ver enquanto caminhavam, em desejáveis demoras. 

Com efeito, Pedro Vaz introduz nas experiências das (suas) caminhadas questões ecológicas, sociais e políticas. A sensibilidade face à paisagem e as vistas sobre o lugar não é romântica, mas consciente da realidade coeva, das condições que a constituem. Sim, é um trabalho que se dirige ao corpo – aos seus ritmos, limites, apetites – mas é, também, um envolvimento de cariz experimental, uma investigação em que o físico e o estético se abrem ao epistemológico. 

Dito isto, a intervenção de Pedro Vaz, como noutras ocasiões, não é intrusiva. Os triângulos de pedra, que coloca no chão, são feitos de granito do mosteiro; portanto, de materiais preexistentes, com história e memória. Inspirado no triângulo da topografia (que é sempre orientado a norte), o artista organiza-os no espaço e, poder-se-ia acrescentar, atribui-lhes propriedades de outra linguagem que não a escultura: a sua discrição geométrica abeira-os do desenho. São, sobretudo, operações conceptuais na paisagem com uma duração limitada, efémera temporal e fisicamente, e cuja memória ficará recordada naqueles que a experimentaram ou, mais objetivamente, no mapa.

Da experiência da observação de um percurso e de uma paisagem, Eco Vivo transportou-se para outro lugar, a Estufa Fria, agora explicitamente no modo da pintura. A partir das imagens fotográficas das vistas, Pedro Vaz realizou três pinturas sobre papel de algodão, recorrendo a um composto feito de musgo, argila, cerveja, entre outras substâncias. E, assim, reapareceram menos enquanto representações miméticas do que impressões sensoriais e físicas das experiências das caminhadas e dos lugares. Agora sem mapa, os visitantes entravam em INSITU, num ambiente natural e artificial, numa paisagem interior. 

Expostas durante meses, entre 11 de novembro de 2020 e 21 de março de 2021, à humidade, à temperatura e à chuva, as três pinturas, tal como as estações em Tibães, abriram-se à descoberta, mas sem guia ou direção. Apareciam entre a vegetação e a folhagem, quais planos na profundidade, ecrãs suspensos, entradas falsas que interpelavam quem passeava. Artificiais como aquele lugar, estavam ironicamente mais expostas, na sua natureza, aos elementos naturais. Com o tempo, foram mudando de cor, perdendo os referentes visuais dos lugares da mata de Tibães. A temperatura, o vento, os organismos foram fazendo a sua pintura, mais aquosa, terrosa, menos domesticada. A paisagem, enquanto motivo mimético, deixou-se tomar pela pintura qual matéria, mancha, superfície. 

Pedro Vaz deixou a pintura à natureza, à indiferença da mesma, com os seus ciclos. Quem teve a oportunidade de a descobrir terá reparado, por exemplo, na passagem da luz, na presença das sombras. As pinturas, sendo as mesmas, nunca eram as mesmas, mas se entregues à natureza (ainda que controlada) daquele espaço deixariam de o ser, integrar-se-iam, para sempre, na paisagem, desapareceriam. Pedro Vaz tem a consciência da vulnerabilidade das obras. Embora feitas para serem vistas, terão uma outra vida. São marcações no terreno, em certo sentido como foram os triângulos, mas marcações diferentes. São, acima de tudo, pinturas que aparecem ali (antes de desaparecerem, antes de voltarem para o domínio da arte), ecos vivos de um encontro entre o humano e não-humano, o natural e o artificial, o fazer humano e a força muda da natureza, o silêncio da pintura e os ruídos do mundo.

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