Transect
Àngels Miralda, 2023
Crackling leaves reveal your position to a silent observer. What eyes lie beyond the visible?
A transect is an instrument similar to a long tape measure used by geologists to measure landscape by establishing straight lines through the environment. These serve to observe, measure, and record data in specific areas. In the work of Pedro Vaz, the observer and the observed are reversed through his paintings, films, and installations. The transect in Vaz’s works create linear paths which become interrupted and impossible due to nature’s own non-linearity. The forest rejects definition as it metabolizes its own being.
Observation is a key element in the process of analysis both for scientists and for Vaz – but these methods exist in formal contrast. The alienation of the art gallery from our environment is the first aesthetic challenge. The white cube excludes the intense visuality of the forest which is packed with details, vibrating with spiders, slugs, microbial beasts, and sludges left under upturned rocks. This chaotic underfoot world has entered the gallery in Vaz’s installational gesture to replace the gallery floor with nature’s morbidity – a fragrance which becomes activated through your crushing steps.
Directly ahead are two walls forming an angle at 90 degrees. This provides the straight lines that are unknown in nature. Surrounding us like a panorama, five new paintings employ Vaz’s recognizable techniques. The artist removes layers of paint leaving the canvas exposed, using the act of washing-away to embody disappearance. Like rain and time eroding the side of the mountain – Vaz replicates the constant redistribution of landscape that shifts each and every day. Before the paint has the chance to fully dry it becomes an invisible phantom, creating an explosive expression of snapped branches, young trees, the rays of the sun, and a guttural eminence through geometric strokes.
These compositions find their origin in a series of photographs taken by the artist as he performs his walks along a transect. They contain trees, brown sections of bark, dried leaves, and young branches that provide the basis for rare geometry. The paintings attempt to envelop, emphasize our lack of a horizon – there is earth but no sky, we are thoroughly consumed within the forest’s digestive system. These paintings oppose established ideas of landscape as eternal, immovable, and measurable. They speak of a living and breathing forest, one that moves, grows and dies. The mountain is eroding as we walk through it, crumbling as we leave traces of our presence through small perturbations of matter.
The incompatibility of scientific tools with the metabolic speed of the forest relates to Henri Bergson’s concept of le durée. In contrast to linear and scientific time, the philosopher considered that human experience is an immeasurable variation that shortens or extends time according to our attention as well as the concept of intensity. While scientific time was clearly useful as a practical measure, Bergson considered it incompatible with the human psyche. Vaz sees the mountain on geological time-scales that rise, erode, and sometimes erupt – and on which living matter accumulates given the right conditions – springing to life with vital force or élan vital. Both for Bergson and for Vaz – scientific measures are useful and absurd.
In the new film work Other being (2023), figures that haunt our imaginary appear in the darkened forest. Through a blurred lens, the forest floor appears to seep into blotched hues that create a jumbled soupy ground. The aperture is focused on a small section which occasionally allows us to see the bark of trees through what feel like non-human eyes. Walking through the fragrant undergrowth, stepping slowly through the near-dark, the film is set at a fleeting crepuscular hour – just before the sun has risen or the brief moments after it has set. In this unnerving light, a human figure floats through the screen – a spirit-like apparition. This body reflects radiant energy into the fallen matter. Sticks, leaves, and the husks of acorns, branches and soil are the carcass of the forest, a living and breathing mountain whose leaves become the soil from which we all grow. Like a spirit leaving a body, a seraphim of light departs from the frame of vision, leaving behind grounded matter. The spirit is the immaterial collection of this being – possibly a spirit of the forest, mountain, or air - a subject separate from the physical that returns to its cyclical function as nutrient, cell structure, and hardened core. Dispersing like a thin mist into the invisible horizon, dissipating into this forest that has housed and fed this phantasm for eons.
The forest is an eternal cycle of growth and decomposition, an environment in which death is a necessary prerequisite for life and whose soul inhabits the material concoction of crackling arboreal limbs beneath our feet. Even this so-called dead matter is alive and breathes with fungi, microbiota, and small beings that continuously produce the great mystery of soil. Like organs, ears, and eyes – the forest envelops and contains like a living entity, feeling and seeing our presence through its manifold eyes, looking into its own metabolic system within which we stand – and in this belly of the whale, we find not only eeriness, but peace.
Transect
Àngels Miralda, 2023
O estalar das folhas revela a nossa posição a um observador silencioso. Que olhos se encontram além do visível?
Um transecto é um instrumento semelhante a longa fita métrica que é usado pelos geólogos para medir a paisagem, definindo nela uma série de linhas rectas que permitem observar, medir, e registar dados em áreas específicas. Nas pinturas, filmes e instalações de Pedro Vaz, os papéis do observador e do observado invertem-se. Nas obras deste artista, o transecto gera percursos lineares que são interrompidos e impossibilitados pela própria não-linearidade da natureza. A floresta rejeita a definição ao metabolizar o seu próprio ser.
A observação é um elemento fundamental do processo analítico, tanto para os cientistas como para Vaz; no entanto, os seus respectivos métodos existem em contraste formal. A separação entre a galeria de arte e o nosso ambiente constitui o primeiro desafio estético. O cubo branco exclui a visualidade intensa da floresta, riquíssima em pormenores, vibrante de aranhas, lesmas, animais microscópicos e lodos sob rochas que viramos. Este mundo caótico sob os nossos pés entra agora na galeria por meio do gesto instalador de Vaz, que coloca no lugar do soalho a morbidez da natureza – cuja fragrância é activada pelos nossos passos.
Logo à nossa frente, duas paredes formam um ângulo de 90 graus. Aqui temos as linhas rectas, desconhecidas na natureza. Rodeando-nos como um panorama, cinco novas pinturas apresentam as técnicas características de Vaz. O artista remove camadas de tinta de modo a expor secções de tela, usando esse acto de remoção para corporalizar o desaparecimento. Tal como a chuva e o tempo desgastam o flanco da montanha, Vaz reproduz a constante redistribuição da paisagem, que se vai alterando dia a dia. Antes de sequer poder secar completamente, a tinta é transformada num espectro invisível que gera uma expressão explosiva de ramos partidos, árvores imaturas, raios de sol e uma eminência gutural por meio de pinceladas geométricas.
Estas composições têm origem numa série de fotografias tiradas pelo artista enquanto caminhava ao longo de um transecto. Apresentam árvores, segmentos de casca castanha, folhas secas e ramos tenros, alicerces de uma rara geometria. As pinturas procuram envolver-nos, sublinhando a nossa falta de horizonte – há terra mas não há céu; somos completamente consumidos pelo sistema digestivo da floresta. Estas imagens opõem-se às ideias estabelecidas da paisagem como algo eterno, imóvel e mensurável. Falam de uma floresta viva e concreta, que se mexe, cresce e morre. A montanha vai-se desgastando enquanto andamos sobre ela, desfazendo-se enquanto deixamos vestígios da nossa presença, como pequenas perturbações da matéria.
A incompatibilidade entre os instrumentos científicos e a rapidez metabólica da floresta liga-se ao conceito da duração de Henri Bergson. Este filósofo considerava que, ao contrário do tempo linear e científico, a experiência humana é uma variação imensurável que encurta ou alonga o tempo de acordo com a nossa atenção e com o conceito de intensidade. Embora o tempo científico fosse claramente útil enquanto medida prática, Bergson achava-o incompatível com a psique humana. Vaz olha para a montanha em termos de escalas de tempo geológicas que se erguem e vão desgastando, entrando por vezes em erupção – e sobre as quais matéria viva se acumula, uma vez reunidas as condições necessárias –, activadas pelo élan vital. Tanto para Bergson como para Vaz, as medidas científicas são algo que é útil mas também absurdo.
Na nova peça de vídeo “outro ser” (2023), figuras do nosso imaginário surgem na floresta escurecida. Visto através de uma lente desfocada, o solo da floresta parece derramar-se em tonalidades manchadas que criam um terreno confuso e denso. A abertura está focada numa pequena secção, que ocasionalmente nos permite ver a casca das árvores através de olhos que se diriam não humanos. Esta caminhada lenta pelo matagal, quase às escuras, ocorre durante um fugaz período crepuscular – logo antes de o sol nascer ou nos breves momentos depois de ele se pôr. Sob esta luz inquietante, uma figura humana flutua pelo ecrã – uma aparição, uma espécie de espírito. Este corpo projecta energia radiante sobre a matéria caída. Paus, folhas, cascas de bolota, ramos e terra formam o esqueleto da floresta, uma montanha viva cujas folhas se tornam no solo de onde todos nascemos. Como um espírito que sai de um corpo, um serafim de luz sai do enquadramento, deixando para trás a matéria do solo. O espírito é a aglomeração imaterial deste ser (possivelmente um espírito da floresta, da montanha ou do ar), um sujeito separado da esfera física que regressa à sua função cíclica como nutriente, estrutura celular e núcleo endurecido. Este espectro dispersa-se como uma ténue neblina pelo horizonte invisível, dissipando-se pela floresta que há muito o abriga e alimenta.
A floresta é um ciclo eterno de desenvolvimento e decomposição, um ambiente onde a morte é um pré-requisito essencial da vida e cuja alma habita a amálgama material de ramos arbóreos que estalam sob os nossos pés. Até esta matéria supostamente morta fervilha de fungos, microbiota e pequenos seres que constantemente produzem o grande mistério que é o solo. São como órgãos, orelhas e olhos – a floresta envolve-nos e contém-nos como uma entidade viva e concreta, que sente e vê a nossa presença com os seus olhos múltiplos, focados no seu próprio sistema metabólico dentro do qual nos encontramos – e neste ventre da baleia, descobrimos mistério, mas também paz.