Forty Steps, a vertical route


Luísa Especial, 2010


The exhibition Quarenta Passos collects works that are the fruit of a retreat held by Pedro Vaz in a mountain refuge in the heart of the Picos de Europa, located in northern Spain, in 2009. The geographic accidents resulting from the massive towering limestone make this place prone to isolation. By these halts, the Beatus of Liebana, a Benedictine monk, devoted himself in the eighth century to Comments on the Apocalypse, a work lavishly designed and lit, whose typology came to spread throughout Europe under the generic name of Beatus. It was there, that were once held the decisive battles for the affirmation of Christianity on the Peninsula.

With an inquiring and speculative look at the landscape, Pedro Vaz parts from painting to other media such as drawing, sculpture, installation and video. Forty steps constitutes a very singular project in the context of his work. Firstly, given the scope and articulation of supports: the centerpiece consists of forty drawings accompanied by some paintings in varied scales. But the referenced singularity relates in particular, with the curious emergence of an individualized form of religiosity, perhaps close to paganism, a magical relationship between man and nature. Having reached the term religion different interpretations, it serves us to acclimatize in the work of Pedro Vaz, the meaning that lies in the connection between man and the universe, the primal bond between man and nature.

In Quarenta Passos, the paper orientation surprises by contrasting verticality with the previous work of the artist. The ordained horizontal alignment device of the drawings placates the implicit narrative to the achievement of the journey. However, it is a progression leading to an ascent where the concrete and metaphorical dimensions intersect. The artist follows the trail of a line of seasonal water towards its source. Along this elevation, forty halts are recorded and then drawn – it is inevitable to draw a parallel with the fourteen stations of the Stations of the Cross. The forty drawings project the viewer into the moments that match the immobilization of the steps of the artist, held for the purpose of observation; in the spaces between them resides the sequential advancement of the subject. An effect of homology with the steps of the artist, is generated, between movement and static.

Pedro Vaz is drawn to the secluded nature to represent it as faithfully to the observed object, sometimes to filter it, decanting it, to change its colors, and make its shapes almost unrecognizable. In Quarenta Passos, nature is not idealized, or a redemption of the lost Eden; it is rude in its obstacles: strange paths, oblique branches, imposing rocks, slopes that complicate passage. Various ruses to defend its virginity, which rather stimulate curiosity in the clearing of its mystery. Keeping attention devoted to light, the artist momentarily abandons color: focusing on shape, a purpose best served by the election of drawing. In the paintings, the artist pursues the same research, this time from a different angle: operating through chromatic distortions purposely artificialized in regard to the constant palette in the photographic reference. We are placed before the residual memory of the road travelled and the subsequent removal of it to the construction of drawing and painting. The same reference can be repeated in various drawings and also appear in painting: the "twin images" created, part sometimes from the same site, to then branch out and diverge, as exercises in which the artist excavates the image to discover new possibilities for recreation.

His motive is curiosity for the unknown, and the inherent possibility of confrontation with fear. In nature, discovery is gradual, revealed by the time spent walking, with ascensional levels of knowledge. The further inside, the greater the rewards offered: untouched rails, unsuspicious caves, unharmed bird eggs left directly on the floor. However, when delving into the park, a physical experience of struggle with nature is generated, which though exalted, is overwhelming, as it surrounds and imprisons. Attracted to each step towards an imaginary center, in its visceral vortex, the body is confined and put to the test, physical limits are tested: in the end, here surges the struggle for survival. This conflict is reflected in the alternation between the figurative and diluted landscape, between crisp steps and detectable forms, and others characterized by the smoothness of the blurring, where nature abstracts. In the words of the artist, it is a distressing path of truth. Is the wrought arrival to the source, after all, the place of artistic creation?

Quarenta Passos is therefore a work traversed by tension between: knowledge of nature and self-knowledge of man, the desire of clearing imposed limitations by nature and the body, between the direct perception of the landscape and the recreation in representation through movements of approach and retraction from nature. But the greatest tension is the fact that the linear composition of the device proves to be illusory: it is, in short, a vertical path, like a climb to the colossal mountains of the Picos de Europa.


Quarenta passos: um percurso vertical


Luísa Especial, 2010


A exposição Quarenta passos reúne trabalhos que são fruto de um retiro realizado por Pedro Vaz num refúgio de montanha no centro do Parque Nacional dos Picos da Europa, situado no Norte de Espanha, em 2009. Os acidentes geográficos decorrentes dos imponentes maciços calcários tornam este lugar propenso ao isolamento. Por essas paragens, o Beato de Liébana, monge beneditino, dedicou-se no século VIII aos Comentários ao Apocalipse, obra profusamente desenhada e iluminada, cuja tipologia veio a difundir-se pela Europa sob o nome genérico de Beatos. Foi ali que decorreram, em tempos, as decisivas batalhas para a afirmação do cristianismo na Península.

Com um olhar indagador e especulativo sobre a paisagem, Pedro Vaz tem partido da pintura para outros meios como o desenho, a escultura, a instalação e o vídeo. Quarenta passos constitui um projecto muito singular no contexto do seu trabalho. Em primeiro lugar, dada a extensão e a articulação dos suportes: a peça central é constituída por quarenta desenhos e acompanham-na algumas pinturas de escala variada. Mas a referida singularidade prende-se, sobretudo, com a curiosa emergência de uma forma individualizada de religiosidade, porventura próxima do paganismo, uma relação mágica entre homem e natureza. Tendo o termo religio alcançado diversas interpretações, serve-nos, para nos acercarmos da obra de Pedro Vaz, o sentido que radica na ligação entre o homem e o universo, o elo primitivo do homem com a natureza.

Em Quarenta passos, a orientação do papel surpreende pela verticalidade contrastante com os anteriores trabalhos do artista. O dispositivo ordenado de alinhamento horizontal dos desenhos plasma a narratividade implícita à feitura do percurso. Porém, trata-se de uma progressão conducente a uma subida, onde as dimensões concreta e metafórica se intersectam. O artista segue o trilho de uma linha de água sazonal, em direcção à sua nascente. Ao longo desta elevação, quarenta paragens são registadas e depois desenhadas – é inevitável traçar um paralelismo com as catorze estações dos Passos da Cruz. Os quarenta desenhos projectam o espectador para os momentos que correspondem à imobilização dos passos do artista, detido com o intuito da observação; nos espaços entre eles reside o avanço sequencial do sujeito. Gerase um efeito de homologia com os passos do artista, entre movimento e estatismo.

Pedro Vaz é atraído pela natureza recôndita para a representar ora fiel ao objecto observado, ora para a filtrar, decantar, alterar-lhe as cores, tornar as suas formas quase irreconhecíveis. Em Quarenta passos, a natureza não é idealizada, nem resgate do éden perdido; é rude nos seus obstáculos: caminhos estranhos, galhos oblíquos, rochas imponentes, inclinações que dificultam a passagem. Ardis vários para defender a sua virgindade, que antes estimulam a curiosidade pelo desbravamento do seu mistério. Mantendo a atenção consagrada à luz, o artista abandona momentaneamente a cor: concentra-se na forma, finalidade melhor servida pela eleição do desenho. Nas pinturas, o artista prossegue a mesma investigação, desta feita por um outro ângulo: opera através de distorções cromáticas propositadamente artificializadas em relação à paleta constante no referente fotográfico. Somos colocados perante a memória residual do caminho percorrido e o posterior afastamento daquela para a construção do desenho e da pintura. Um mesmo referente pode repetir-se em diversos desenhos e surgir também na pintura: as “imagens gémeas” criadas, partem, por vezes, do mesmo sítio, para depois se ramificarem e divergirem, como exercícios em que o artista escava a imagem à descoberta de novas possibilidades de recriação.

O seu móbil é a curiosidade pelo desconhecido, e a inerente hipótese do confronto com o medo. Na natureza, a descoberta é gradual, revelada com o tempo da caminhada, por níveis ascensionais de conhecimento. Quanto mais no seu interior, maiores as recompensas oferecidas: trilhos intocados, grutas insuspeitas, os ovos de um pássaro deixados directamente no chão, incólumes. Todavia, ao embrenhar-se no Parque, gera-se uma experiência física de luta com a natureza, que, embora exaltada, é avassaladora, cerca, aprisiona. Atraído a cada passo em direcção a um centro imaginário, ao seu vórtice visceral, o corpo confinado é posto à prova, testam-se os limites físicos: no final, eis a luta pela sobrevivência. Este conflito reflecte-se na alternância entre a paisagem figurada e a paisagem diluída, entre passos nítidos e de formas

detectáveis, e outros caracterizados pela suavidade da desfocagem, onde a natureza se abstrai. Segundo as palavras do artista, trata-se este de um penoso caminho da verdade. A almejada chegada à fonte será, afinal, o lugar da criação artística?

Quarenta passos constitui, pois, um trabalho atravessado pela tensão entre: o conhecimento da natureza e o autoconhecimento do homem, o desejo do desbravamento e as limitações impostas pela natureza e pelo corpo, entre a percepção directa da paisagem e a recriação na representação através dos movimentos de aproximação e de afastamento da natureza. Mas a tensão maior é o facto de a composição linear do dispositivo revelar-se ilusória: trata-se, em suma, de um percurso vertical, à semelhança de uma escalada às colossais montanhas dos Picos da Europa.

 

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