Atlântica
Inês Grosso, 2015
“I also think that if we live in a world where people have less direct experience of nature, it is possible that because of that deprivation they don't know how to respond to nature. Maybe we have lost some of the instinct or knowledge that was part of our ancestor's experience, are less able to identify with it.”*
For more than ten years, Pedro Vaz has been exploring the relationship of contemporary man with nature from a point of view that is neither anthropocentric, nor ecological or integrated.
The artist has dedicated part of his time to travel through some of the best-known mountains and natural forests in Europe, converting these immersive experiences and body-nature unions into a leitmotif that permeates his entire production. Portugal, Spain, France, Italy and Switzerland were among the countries in which he traveled, walking, for example, the 180 km (111 miles) that constitute the Tour du Mont Blanc, or along the Levadas ** , the aqueducts that cross the mountains and the Laurissilva forest in the island of Madeira. The interaction with the natural world, departing from a sensory experience tainted by subjectivity, has been instrumental in the development of his practice - Vaz infiltrates nature, inhabits it silently, as a veiled presence, mysterious, that goes unnoticed or is camouflaged by the vegetation. His explorer-hiker condition makes him an integral part of the place itself. Each place, in turn, represents a discovery. Every journey is a story that gives him a new and ever renewed encounter with nature.
Atlântica, his first solo exhibition in Brazil, marks the beginning of a travel cycle in this country. Above all it leads to the discovery of the Atlantic Forest, providing an amazing and fascinating trip from the interior of the backcountry (Sertão) of Taquari in Paraty in the State of Rio de Janeiro. The title of the exhibition, however, has a double reference: to the Atlantic Ocean - that separates (and links) America and Europe, the New and the Old World - and this biome rainforest crossed by the traveling artists that were part of the European artistic expeditions of the 19th and 20th centuries. Although his work is far from being a return to the past or an approximation to the history of the naturalistic painting in Brazil, Vaz does not fail to evoke a symbolic return to that time when painters such as Frans Prost, Johann Moritz Rugendas and Jean-Baptiste Debret dedicated themselves to the first painted records of the Brazilian landscape.
The exhibition brings together recent works, most of them shown for the first time and specifically created for this exhibition at the Galpão of Baró Gallery. It includes a series of large paintings departing from which Vaz urges us to track his steps and uncover the trails through mountains, gorges, waterfalls and shelters, hidden by the several layers that make up each work: "… it is as if I lend my eyes to the viewer" *** Here, nature is not static, not reified as an object, but a world of forces in ceaseless motion that allow the revealing of the almost silent pulse of Atlantic Forest vegetation and its cycles of perishing and rebirth.
Other works subvert the very concept of idealization of nature and its representation while inducing in the viewers a state of permanent uncertainty regarding what they see. The Landscape Boxes (2015), at first glance, present some kind of enigma or visual ambiguity between real-artificial, true-false. Inside them, nature appears imprisoned, confined, unable to exit; as if the artist wanted to remind us of the artificiality of a world, constructed, manufactured and dominated by objects, in which nature also became a simulacra and a simulated reality. This resonates with the work of important Arte Povera artists (Giuseppe Penone, for example), but also, conversely, brings to mind the minimalism of Robert Morris and his Mirrored Cubes [1969] which, exposed outdoors, reflect the surrounding landscape, contrasting nature and geometry. The two videos on display, strategically installed in the room that serves as an antechamber to the exhibition, provide a first encounter with the artist's work, as a preamble that introduces the visitor to the discovery of what will follow, but most important is that they lead us to the beginning of everything. Vaz video works unfold in multiple directions, crossing documentary and fiction; they are the record of an experience in process, they precede the paintings and sculptures and enhance the relationship between man (body) and the natural world (nature). Nature is ever present, as a symbolic protagonist that inspires something mystical, almost sublime, the backdrop for the artist’s co-existence with the natural environment.
For Pedro Vaz, Portuguese artist born in Maputo, the contact with the natural environment emerges as a possibility for self-searching and as the missing link with nature within the urban-industrial society in the contemporary world. However, doesn’t the very act of painting presupposes a relation to the object? How to translate in the pictorial plane the long lapse of time during the coexistence between man and secluded nature? His work cannot be reduced to contemplation. In fact, it is inhabited by a visual poetry that transcends the purely contemplative and idyllic dimension of simple observation or the search for aesthetic pleasure. What interests him is not a representation of nature as it manifests itself, but distilling the most of every experience, every contact with it. Regardless of the medium, his work captures the impression of something temporary, transient; it is this elusive experience with nature, which makes his artistic practice a unique one in the context of the new generation of Portuguese artists.
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*GRANDE, John K. Ship of life, Peter von Tiesenhausen. In: Art Nature Dialogues: Interviews with Environmental Artists. State University of New York Press.jun., 2004.
** Levadas are canals or irrigation systems characteristic of Madeira and other islands of Macaronésia, such as Santo Antão, Cape Verde and La Palma in the Canaries. The oldest Levadas of Madeira date from the fifteenth century, at the time of the colonization of the island.
*** Interview with the artist, teaser of the exhibition Neblina at Gallery 111, Lisbon, 2015.
Atlântica
Inês Grosso, 2015
“Acho que, se vivemos num mundo onde as pessoas têm uma experiência menos direta da natureza, é possível que, por causa dessa privação, elas não saibam como responder à natureza. Talvez tenhamos perdido um pouco do instinto ou conhecimento que era parte da experiência dos nossos ancestrais; somos menos capazes de nos identificar com ela.” *
Por mais de dez anos, Pedro Vaz vem explorando, a partir de uma visão não antropocêntrica, ecológica e integrada, a relação do homem contemporâneo com a natureza. O artista dedicou parte do seu tempo a viagens pelo interior de algumas das mais conhecidas montanhas e florestas naturais da Europa, convertendo essas experiências de imersão e de união corpo-natureza no leitmotiv que permeia toda a sua produção. Portugal, Espanha, França, Itália e Suíça foram alguns dos países por onde viajou, percorrendo, por exemplo, os cerca de 180 km da Tour du Mont Blanc [Volta ao Monte Branco], ou as levadas** das mais altas montanhas que atravessam a floresta Laurissilva na Ilha da Madeira. A interação com o mundo natural, a partir de uma vivência sensorial e contaminada pela subjetividade, tem sido determinante no desenvolvimento da sua prática – Vaz infiltra-se na natureza, habita-a em silêncio, como uma presença velada, misteriosa, que passa despercebida ou é camuflada na vegetação. Sua condição de caminhante explorador torna-o integrante do próprio lugar. Cada lugar, por sua vez, representa uma descoberta. Cada viagem, uma história que lhe proporciona um novo e sempre renovado encontro com natureza.
Atlântica, sua primeira individual no Brasil, marca o início de um ciclo de viagens pelo país, que, antes de mais nada, nos leva à descoberta da Mata Atlântica, proporcionando uma viagem tão surpreendente quanto fascinante pelo interior do Sertão de Taquari, em Paraty, no Rio de Janeiro. O título da exposição, no entanto tem uma dupla referência: ao Oceano Atlântico – que separa (e conecta) a América e Europa, o Novo e o Velho Mundo – e a esse bioma da floresta tropical por onde passaram os artistas viajantes que integravam as expedições artísticas europeias dos séculos 19 e 20. Embora esteja longe de ser um retorno ao passado ou uma aproximação à história da pintura naturalista no Brasil, Vaz não deixa de evocar um regresso simbólico àquele momento em que pintores como Frans Prost, Johann Moritz Rugendas e Jean-Baptiste Debret se dedicaram aos primeiros registos de pintura da paisagem brasileira.
A exposição reúne obras recentes, na sua maioria inéditas e especificamente concebidas para a apresentação no Galpão da Baró Gallery e que incluem um conjunto de pinturas de grandes dimensões a partir das quais Vaz nos incita a rastrear os seus passos e a desvendar as trilhas por entre montanhas, desfiladeiros, cachoeiras e cabanas encobertas pelas várias camadas que compõem cada obra: “é como se eu emprestasse os meus olhos ao observador.”.*** Aqui, a natureza não é estática, coisificada em objeto, mas um mundo de forças em incessante movimento, que deixa revelar o pulsar quase mudo da vegetação da Mata Atlântica, que perece e renasce sucessivamente.
Outros trabalhos subvertem o próprio conceito de idealização da natureza e sua representação, enquanto enganam o espectador, que fica num estado de permanente incerteza perante o que vê: as Caixas de paisagem (2015), à primeira vista, apresentam algum tipo de enigma ou ambiguidade visual entre real-artificial, verdadeiro-falso. Nelas, a natureza aparece aprisionada, confinada e incapacitada de sair, como se o artista nos quisesse lembrar da artificialidade do mundo construído, manufaturado e dominado por objetos, no qual também a natureza se tornou simulacro e real-simulado, o que encontra ecos na obra de importantes nomes da Arte Povera (Giuseppe Penone, por exemplo), mas também, de modo inverso, traz à memória o minimalismo de Robert Morris e seus Mirrored Cubes [Cubos espelhados, 1969], que, expostos ao ar livre, refletem a paisagem do entorno, contrapondo natureza e geometria. Os dois vídeos em exibição, estrategicamente instalados na sala que serve de antecâmara à exposição, proporcionam um primeiro encontro com o trabalho do artista, como um preâmbulo que introduz o visitante na descoberta do que virá, mas o mais importante é que eles nos levam para o começo de tudo. Os seus trabalhos em vídeo desdobra-se em múltiplas direções, entrecruzando documental e ficcional; são o registo de uma experiência em processo, anterior às pinturas e às esculturas, que potencializa a relação entre homem (corpo) e mundo natural (natureza). A natureza está sempre presente, como um protagonismo simbólico que inspira algo de místico, quase sublime, o pano de fundo para o convívio do artista com o meio natural.
Para Pedro Vaz, artista português nascido em Maputo, o contato com o meio natural emerge como possibilidade de busca de si mesmo e do elo perdido com o natureza no âmbito da sociedade urbano-industrial do mundo contemporâneo. Contudo, o próprio ato de pintar já não pressupõe, em si, uma relação com o objeto? Como traduzir no plano pictórico o longo lapso temporal de convivência entre homem e natureza recôndita? Sua obra não se firma na contemplação. Em verdade, ela é habitada por uma poética visual que transcende a dimensão puramente contemplativa e idílica da simples observação ou da busca pelo prazer estético. O que lhe interessa não é uma representação da natureza tal como ela se manifesta, mas extrair o máximo de cada vivência, de cada experiência com a ela. Independentemente do suporte, o seu trabalho captura a impressão de algo passageiro, transitório, essa experiência fugidia com a natureza, o que faz da sua prática artística algo único no contexto da nova geração de artistas portugueses.
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* GRANDE, John K. Ship of life, Peter von Tiesenhausen. In: Art Nature Dialogues: Interviews with Environmental Artists. State University of New York Press.jun., 2004.
** Levadas são canais ou sistemas de irrigação característicos da ilha da Madeira e de outras ilhas da Macaronésia, como Santo Antão, em Cabo Verde, e La Palma, nas Canárias. As mais antigas levadas da Madeira datam do século XV, período da colonização da ilha.
*** Entrevista ao artista, teaser da exposição Neblina na Gallery 111, Lisboa, 2015.