Laurissilva


Paula Januário, 2013


The body of work presented by Pedro Vaz in the exhibition Laurissilva at Gallery 111, Lisbon, refers both to a geography and to a specific artistic research: the Laurissilva forest in Madeira Island and the artist’s physical presence in that secluded place. The footage he takes (images and sounds) become ancillary to the requirement that dictates the journey – being on site.

In order to unfold the idea of presence that underlies the understanding of landscape that Pedro Vaz is interested in inquiring, we will briefly recall a previous work, Terras de Risco, a video installation from 2011. It consists of a three-screen projection reconstructing the frontal and side views of a shift over the course of a wild river, shot from water level at the center of its bed. The video develops through a sequence of overlapping images, inscribing a change in the scenery and with it - in some brief moments of distinctness – revealing the progression of the stream. The level of the water is below the bank and only at times is there enough distance for visual depth. The one who sees and moves cannot always over look.

Previously in Terras do Risco and now in Laurissilva, Vaz is cautious not to allow for the motor, technological and cultural power of his human nature to take over the forest’s topography. He purposely avoids the panoramic viewpoint and, with it, prevents the (sight)seeing experience from converting scenery into landscape. The painting’s depth happens in the proximity to mosses, branches, trunks, and leaves. When figuration fails to identify them, the landscape occurs through a change of scale; keeping however loyalty to wild vegetation as a reminder of topography’s randomness. Vegetation exists as a somatic effect of human absence. The anthropological tools which technically enable us to over see and the ones that allow us to perceive distance are also the tools used by humans to populate the planet; their absence would lead to the resurgence of landscape’s primordial condition. Both in the sequence of images in Terras de Risco and in the paintings presented in Laurissilva the non-agrarian quality of the riverbanks finds itself extended in the cultural ancestry latent in such way of seeing. It is not by chance that Laurissilva, the exhibition, is geographically inscribed within the ninety percent of primary forest of Laurissilva, the forest, in Madeira Island.

Let us accept that what Pedro Vaz is suggesting is to travel the distance in-between today's world local time and the local time back in the beginning of things. We all know that ours is the time of the view from afar and above, at each and every moment. The forest and the island are the realm of the visually inaccessible, and surprisingly so, also geographies on which literature relies to represent the fantastic and secret; the place of danger, lacking the security of civilization but at the same time the refuge, away from its evil.

The inquiry that Pedro Vaz pursues is aware of the reciprocal imprint that is inevitably left when thinking about the real and the landscape at the same time. It insists on a hierarchical leveling between subject and landscape, which points to the idea of lived landscape. We can visualize in this approach, the opening of a filament throughout which his artistic work intends to change the fate of representation: real landscape and landscape cannot be held from being one and the same thing, and there is no possible hole to break inside the screen’s surface. This filament is a time epistemologically difficult to accede that would imply taking a projection of the world since it’s inception, finding each and every moment of fortunate coincidences that have made the way for the opposition of the thumb, the mastery of fire or the invention of the wheel. Inferring the present world without spelling its name but seeing it unexpectedly; after computer science, philosophy, geodesy, politics, medicine, and engineering. Being again aware of the proper place of things, if we want. Wielding, while holding a key for that which does not have a solution, the consciousness of the bizarre problem it has opened: the abysmal gap between the size of man and the size of the world – “a small world” they say, made smaller by the aircrafts that overfly the steps that we don’t actually walk but see in bird’s eye view on a satellite image.

How to be honest with the world? Carrying it on one’s back, eventually. With the world on one’s back, where should one go and what will one find at the end? A drive from the garage to some room in the city leaving behind the GPS trail of little arrows in the traffic route? One can suppose that if the orientation of the level were to be completely inverted, one could cautiously climb down the interior of Sneffels volcano in Iceland, all the way to the center of the earth, as did Julio Verne’s imagined German geologist. One can suppose that one would follow throughout the winding paths horizontally tightened between valleys, rivers and mountain chains found in the compositions of the early Renaissance masters. Those paths along which arguments of good and evil could be proved, within a narrative of disproportionate extension.

All this happening - let us consider - before the anatomical precision of the human figure, before the graphic and digital prosthetic memory, before one could make an alphanumerical reconstruction of the facts, even before one could prove or argue.

Memory possibly encompasses the key in the composition: small what is afar, large what is near, as long as represented in the same scale.


Laurissilva


Paula Januário, 2013


O conjunto de trabalhos apresentado por Pedro Vaz na exposição Laurissilva, na Gallery 111, diz respeito a uma geografia e a uma forma de pesquisa artística específicos: a floresta Laurissilva, na Ilha da Madeira e a sua presença isolada num lugar, no decurso da qual a recolha a que procede (imagem, som) se torna apenas acessória à exigência que determina a viagem – estar. No sentido de introduzir na actual exposição a ideia de presença subjacente ao entendimento de paisagem que interessa a Pedro Vaz investigar, recuperemos brevemente um trabalho anterior, a instalação vídeo Terras do Risco (2011). Trata-se duma projecção simultânea em três ecrãs, que reconstituem as visões frontal e laterais de uma deslocação ao longo do curso dum ribeiro selvagem, a partir do nível da água no centro do seu leito. A deslocação progride através duma sequência de imagens sobrepostas que, nos breves momentos de nitidez, inscrevem uma alteração da paisagem e com ela o avanço no ribeiro. O nível da água está abaixo da margem e só por vezes há a distância necessária à profundidade visual. Aquele que vê e se desloca nem sempre sobre vê.

Anteriormente em Terras do Risco e agora em Laurissilva, a cautela em tomar sobre a topografia da floresta o poder motriz, tecnológico e cultural humanos de subir ao ponto de vista panorâmico condiciona a experiencia de vista à reserva em transformar o cenário em paisagem. A profundidade da pintura é a proximidade a musgos, ramos, troncos, folhas. Quando a figuração deixa de os identificar, a paisagem acontece na medida duma mudança de escala a partir deles; mantendo contudo a lealdade à vegetação autogerida a reproduzir a casualidade da topografia terrestre. A vegetação existe como efeito somático da ausência humana. As ferramentas antropológicas que tecnicamente capacitam para sobre ver e os utensílios da consciência da distância são os mesmos dos do povoamento do planeta; a sua ausência corresponde a um reaparecimento de um estádio primitivo da paisagem. A qualidade não (agro) cultivada das margens do ribeiro prolonga-se na ancestralidade cultural que essa maneira de ver conserva latente, tanto na sequência de imagens em Terras do Risco como na pintura apresentada em Laurissilva. Pouco por acaso, Laurissilva, exposição, situa-se geograficamente nos noventa por cento de floresta primária de Laurissilva, floresta, na Ilha da Madeira. Vamos aceitar que Pedro Vaz propõe que seja percorrida a distância entre a hora local do mundo de hoje e a hora local do princípio das coisas. Todos sabemos que o nosso é o tempo da visão ao longe, a cada momento, de cima. A floresta, a ilha, são o lugar próprio do que é visualmente inacessível, e surpreendentemente, também a geografia à qual a literatura confia a representação do fantástico e do secreto; o lugar do perigo, sem a segurança do mundo, mas também do refúgio longe do seu mal.

A pesquisa que Pedro Vaz leva a cabo tem consciente a afectação recíproca que fatalmente tem lugar entre o pensamento sobre o real e o pensamento sobre a paisagem. Insiste num nivelamento hierárquico entre sujeito e paisagem que é também uma identificação com a paisagem vivida. Podemos imaginar nessa aproximação a abertura de um filamento através do qual o seu trabalho artístico propõe quebrar a fatalidade da representação, que não consegue que paisagem real e paisagem deixem de ser uma e a mesma coisa e não haja furo possível através da superfície da tela. Esse filamento é um tempo epistemologicamente difícil de aceder e que implica o mundo de hoje projectado ao longo de cada momento da concretização da mais feliz expectativa imaginável para a oposição do polegar, domínio do fogo ou invenção da roda. Uma implicação do mundo actual sem pronunciar o seu nome mas vendo-o inesperadamente; depois da informática, da filosofia, geodésia, política, medicina, engenharia. Se assim quisermos, a devolver à razão o lugar das coisas. Empunhando, juntamente com a chave para o que não tem solução, a consciência do problema bizarro que abriu: a distância abismal entre o tamanho do Homem e o tamanho do mundo, que hoje se vulgarizou dizer ser pequeno e que o avião percorre acima do caminho para os passos que não damos, mas vemos em olho de pássaro numa imagem de satélite.

Como ser honesto com o mundo? Eventualmente, levando-o às costas. Com o mundo às costas, por onde é o caminho e o que se encontra à chegada? O percurso de carro da garagem a uma sala na cidade que deixa no trânsito o rastro da seta do GPS? Pode especular-se que se inverta a fundo a orientação do nível, e se desça cautelosamente o interior do vulcão Sneffels, na Islândia, até ao centro da terra, como o geólogo alemão Lidenbrock, imaginado por Júlio Verne. Pode especular-se que se siga pelos carreiros serpenteantes, apertados horizontalmente entre vales, cordilheiras e rios das composições dos mestres da primeira renascença. Aqueles ao longo dos quais caberia por fim a narrativa cuja extensão desmesurada provava os argumentos do bem e do mal. Tudo isto antes da precisão anatómica da figura humana, da memória protésica gráfica e digital, antes de ser possível fazer a reconstituição informática dos factos, provar ou arguir, pensemos.

A memória possivelmente estende, na composição, a chave: pequeno o que está longe, grande o que está perto, mas enquanto representados na mesma escala.

 

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