The wrongly developed image after reality´s negative


Miguel von Hafe Pérez, 2017


Imagine we step out of our houses (private property) and take a long stroll investing a focused sort of attention: to undertake an exercise on territory and belonging, instead of minding landscape, sounds, smells. We cross the street (council property), then walk pass houses (private property), gardens (public), roads (state), and church buildings and property. After all, a whole dimension which is at the same time political and economical.

Walking becomes, then, a political act. Trespassing a judicial act. Contemplation, an aesthetical act. Malfeasance a criminal act and use a claimed right.

This political dimension, which is always present in our lives, is rarefied in social life´s conventions, in which, most of times, only once publicity put in question become we aware of physical and intellectual movement’s circumscribing limits.

Although current Pedro Vaz exhibition´s main structuring narrative being not this one, in this project though, history´s critical dimension emerges as a reverberant background. Resulting from a long stay in Brazil, the presentation of these paintings and photographs discloses an unique immersion in the intricate and luxurious landscape of a specific piece of territory: Facão trail, at so-called Gold Path, midd way between Paraty and Ouro Negro, along which, from 18th century on, gems and gold were trafficked, as well as, already in 19th century, other commodities, as coffee. A trail longer then seven hundred kilometres, which runs party over trails plied by natives, and which is, at its core, a mighty potent metaphor for colonization / mischaracterization of a territory.

What the artist was ought to do was an immersion, in part of that nowadays disabled trail; that forced a hard dealing procedure with one of the last guides able for the task.

That experienced synesthetic aspect is absolutely crucial for the project, as Pedro Vaz would, in his paintings, include a voluntarily diffuse memory of its concretization. Meant be, instead of relying directly or on photographic representation of the trails for painting, he will paint by heart, in an artificial construction, as it happens in all painting-,in which bodily and temporal distance force him to a subsequent reinterpretation, this time already feed by interpretative subjectivity that clearly is more interesting then a perhaps direct and emotional objectivity.

No doubt, painting assumes by these means a clearly political dimension: not in the more conventional sense, but in its ability to anchor an approach which refers an existential perspective. It is the very relation between man and nature, in its universality and, also, in its specificity (in Portuguese case, ruled by colonial past) that is to be seen involved here. By these means, it is the political nature of the image that is seen inquired in this group of paintings, as well as in the photographic image which the artist brings on show, presenting a series of black-and-white records from chosen parts of the trail. There we come across remains of cobblestone which dwell in nature, cleverly pointing on human intervention which has fated its viability; or we find those pieces of nature which has covered up everything, or, still, mixed territorial relations, in which private and public estate neighbour one another, and in a more or less explicit way, detach and pose each other in conflict.

The need for distance which the author meant to underline at paintings execution, gestures of reflexive memory, as we saw, turns sharper in some cases when, once painting is due, he washes them over with water, removing chromatic information and definition line excess, which leads to a literally watery image surface, recalling a photographic development process. There, as known, we can master the image (its development) in order to create many effects, in some extend revealing or detailing ones. Pedro Vaz is aware that in our culture back-and-white is connected to memory. Therefore, I believe, takes place the reaffirming of a photographic memory, which did not intend truism in the very same photographs which are invested now by critical and documental thickness; or still the painting´s colour´s lack of veracity, which obey to a reality´s distancing code, just as well critical.

A rather oxymoronic strategy: photographed reality´s representation is just as fake as the pictorial construction of lived real. That now represented reality, painting and photography, is, in essence, a critical reflexion that the artist aimed to make, over a hard process of physical disturbance and intellectual interrogations, in which the concepts of landscape, territory, history, political, individuality and universality tangle intelligently.

“Walking is measuring” is the title of a piece by Richard Serra to be seen at Serralves Museum´s exterior area. Walking is measuring, walking is reflecting, walking is politically thinking the world. Now, with Pedro Vaz, we redo his steps in each gesture set over paintings surface, in each of his photographic frame. More crucially, we have the chance of sharing an inquire on his inscription in the world, and by extension, the vital question about our participation as small summed inscriptions, in its mutant complexity.


A imagem mal positivada do negativo da realidade


Miguel von Hafe Pérez, 2017


Imaginemos que saímos de casa (propriedade privada) e damos um longo passeio com um tipo de atenção diferenciada: em vez de atentarmos na paisagem, nos sons, nos cheiros, fazemos um exercício sobre o território e a pertença. Atravessamos a rua (propriedade municipal, passamos casas (propriedades particulares), jardins (públicos), estradas (estatais), terrenos e edifícios da Igreja, enfim, toda uma dimensão que é ao mesmo tempo política e económica.

O caminhar torna-se, então, um ato político. O trespasse um ato judicial. A contemplação um ato estético. A malfeitoria um ato criminal e o usufruto um direito reivindicado.

Esta dimensão política, que está sempre presente nas nossas vidas, encontra-se rarefeita na convencionalidade da vida em sociedade, onde na maior parte das vezes só nos apercebemos das circunscrições condicionantes dos movimentos físicos e intelectuais quando publicamente postos em causa.

Ainda que não seja esta a narrativa primordial que estrutura a presente exposição de Pedro Vaz, neste projeto a dimensão crítica da história emerge como pano de fundo reverberante. Resultado de uma estadia prolongada no Brasil, a apresentação destas pinturas e fotografias revelam uma imersão singular na paisagem intrincada e luxuriante de um pedaço de território específico: a Trilha do Facão no denominado Caminho do Ouro entre o Paraty e Ouro Negro, por onde transitaram a partir do século XVIII pedras preciosas e ouro e, já no século XIX, outras mercadorias como o café. Um percurso com mais de setecentos quilómetros que aproveita em parte trilhos sulcados pelos indígenas e que constituí, no seu âmago, um portentosa metáfora para o processo de colonização/descaracterização de um território.

Ora o que o artista vai fazer é uma imersão em parte desse caminho, hoje em dia desactivado, o que o obrigou a uma negociação difícil com um dos poucos guias capazes dessa tarefa. Este lado vivencial, sinestésico, é absolutamente vital para o projeto, pois Pedro Vaz integrará nas suas pinturas uma memória voluntariamente difusa na sua concretização. Isto é, em vez de pintar diretamente ou de se apoiar numa representação fotográfica dos trechos representados, ele vai pintar de memória, numa construção artificial – como toda a pintura o é-, onde o distanciamento temporal e físico o obrigam a uma reinterpretação posterior, já permeada pela subjetividade interpretativa que claramente lhe interessa mais do que uma eventual objetividade direta e emocional.

Assim, a sua pintura ganha, sem qualquer margem de dúvida, uma dimensão claramente política: não no sentido mais convencional da palavra, mas sim na sua capacidade para se ancorar numa abordagem que remete para uma perspetiva existencial. É a própria relação do homem e da natureza, na sua universalidade e, também, na sua especificidade (neste caso regida pelo nosso passado colonial), que se vê aqui indagada. É, concomitantemente, a natureza política da imagem que se vê discutida neste conjunto de pinturas e no apontamento fotográfico que o artista aduz na exposição, ao apresentar uma série de registos a preto e branco de troços do caminho. Neles encontramos vestígios de empedrados que coabitam na natureza, sinalizando com assertividade a intervenção humana que determinou a sua viabilidade, ou pedaços dessa natureza que tudo encobriram e, ainda, relações territoriais mistas, nas quais a propriedade privada e a pública se avizinham e, de forma mais ou menos evidente, se demarcam e conflituam.

A necessidade de distância que o autor quis sublinhar na concretização das pintura, atos de memória reflexiva, como vimos, agudiza-se nalguns casos quando ele depois de terminada a sua execução as “lava” com água, retirando-lhes o excesso de informação cromática e de contornos definidos, o que resulta num plano de imagem literalmente aquoso, que ecoa o processo de revelação fotográfico. Aí, como se sabe, podemos controlar a imagem (a sua revelação) no sentido da criação de efeitos múltiplos, mais ou menos reveladores e detalhistas. Pedro Vaz sabe que na nossa cultura associamos o preto e branco à ideia de memória – daí, creio, a reiteração de uma memória fotográfica que não se quis verista nas suas fotografias que assim ganham uma espessura documental e crítica, e ainda, a inveracidade das cores das suas pinturas, que obedecem a um código de afastamento, igualmente crítico, da realidade.

Oximorónica a estratégia: é tão falsa a representação do real fotografado, quanto a construção pictórica do real vivido. O real agora apresentado, as pinturas e as fotografias, constituem, essencialmente, uma reflexão crítica que o artista quis exercer a partir de um processo difícil transtorno físico e interrogação intelectual, onde se cruzam de forma inteligente as noções de paisagem, território, história, política, individualidade e universalidade.

“Walking is measuring” é o título da peça de Richard Serra que podemos apreciar no espaço exterior do Museu de Serralves. Andar é medir, andar é refletir, andar é pensar politicamente o mundo. Agora, com Pedro Vaz, recriamos os seus passos em cada gesto plasmado na superfície das pinturas, em cada enquadramento das suas fotografias. Mais decisivamente, temos a oportunidade de com ele partilhar uma indagação sobre a sua inscrição no mundo e, por extensão, da interrogação vital sobre a nossa participação como pequenas inscrições somadas na sua complexidade mutante.

 

Using Format