I walk therefore I am


Emília Ferreira, 2016


The exhibition at the Galeria do Pátio, which opens the annual Casa da Cerca cycle dedicated to the theme of the Trip, presents us with a challenge based on three elements: a stone, a map and one film. As a starting point, the conception of the project, the stone and the map function as clues revealed by the movie, suggesting our own discovery process.

An evocative narrative of the essential voyage, "Monolito" by Pedro Vaz, is the result of fascination (or invocation) by the stone, by the unite, the path as an artistic process (of which the map is also a symbol), of liberation for elevation, leading ultimately to creation.

Let us observe the story explaining itself. In the primordial night, agitated by the spark of the fire that warmth and shelters, a man is revealed. The next morning, this man begins his journey, denying the artifice and returning to Nature.

We see the departure through the fragment of ruin of a window. A double symbolic record of artificial process - the window, as an incipient landscape register, and of the ruin, a metaphor that does not require any sort of extra explanation - man obeys, from now on, only to the elements.

Following a river, like the writing line of a predetermined landscape, this video - part documentary work, part fiction - allows us to witness the itinerary of a character (an alter ego that the author refers to as "he ") in his metaphorical ambulation.

Over the course of several days, this man makes mistakes in choice of paths. By following in his footsteps, listening to what he hears and steps on, understanding what he sees, we recognize his solitude. His rhythm is of the physical world. His time distances him from the artificial urban cronos, marked by the sequence of days and nights and also by the rhythm of its steps. The film thus invites to contemplation, in a silent and time-consuming way of seeing.

We watch him. He walks, stops, rests, cleans himself, feeds himself, shelters himself, sleeps. If sleep is double of death, awakening is rebirth. The subsequent discovery of a mirror, significantly found in the water, increasing his powers of reflection, and the senses of reflecting, re-enlightens us into the mystery of life, of consciousness and representation. The mirror being a means of self-knowledge, a tamer of the visible, framing and appropriating it, - hence more constant in the narrative - is at one time the access and the exclusion of the passage to the other, marked by the split between the real and what we do with it through the gaze and our imagined paths.

Like the character of the movie, Pedro Vaz is a walker. His painting, the aesthetic synthesis of the world, presents falsely mimetic landscapes, which keep intact the sensations captured by the author's peripatetic practice. The record that evokes branches, the mesh of leaves woven by light and shadows, awakens in us memories of walks through similar places. Abstraction broadens the oneiric aspect, both in painting and in this film, with its black and white photography, evocative of Indian ink drawing.

As always happens in the work of Pedro Vaz, the places painted, photographed or, in this case, filmed, are not chance. They register an internal itinerary, the conquest of personal obstacles through the succession of steps with which the artist transposes distances to create his process of gnosis (of knowledge) and aesthetic (of the senses). Such is the case of Tour du Mont Blanc. Or of Monolito, route traced on a line that the painter has been traveling frequently over the last ten years. The landscape is a perspective and in that sense a personal topos; that is to say, a way of narrating the part that it is up for us to see. Because we never see all that exists, since our eyes exclude most of the visible by focusing on the lines of their intimate imagery.

From a formal perspective, the voluntary absence of realism - the option for suggestion - frees us from personalized perception, thus an aesthetic provocation of our imagination. Direct sound, without adding or editing effects (except for the final part of the movie), also transports us to the intimacy of this journey. Sparks, fire, wind, thunder, rain, bird sounds and branch movements, steps, gravel, running water, all mix with the body that crosses the landscape and the trees, the ash and the air that moves everything, resulting in the enhancing of the sense of your own breathing rythms. The body that draws the passage becomes part of it. His breathing is ours as well.

Typically lost to find himself again, the walker, with bare feet on the ground, comes across a cave (once a Phoenician shrine), in which he enters to discover an indeterminate object. Is the trip completed or is the start of new navigation? What will this man discover in this unknown object? In order to understand, we will also have to conceive our own journey. Therefore this exhibition invites us to the discovery of Monólito, among the trees of the Forest. What will we discover?

More than the world, Pedro Vaz reminds us that creation results from the encounter of experience and rational synthesis of the existing with the imagined. From the stone that fits in the palm of your hand and a monolith with large dimensions, suggesting of spacecraft, the difference always resides in the subject that gazes and creates the voyage.

Therefore, walking is much more than a mere possibility to observe. It is above all the possibility of being. It is to listen to the breathing of the world, to feel its skin, to see its folds, to perceive the difficulties and enchantments of this path. Surprise ourselves. With what scares us and with beauty. For each discovery to understand the mystery of the whole, including the capacity to create, remains intact in our hands.


Caminho, logo sou


Emília Ferreira, 2016

A exposição da Gallery do Pátio, que abre o ciclo anual da Casa da Cerca dedicada ao tema da viagem, apresenta-nos um desafio que parte de três elementos: uma pedra, um mapa e um filme. Marco inicial, desenho de projecto, a pedra e o mapa funcionam como indícios que o filme revelará, incitando-nos à nossa própria descoberta.

Narrativa evocadora da viagem essencial, “Monólito”, de Pedro Vaz, é o resultado de um encantamento (ou uma invocação) pela pedra, pelo uno, pelo caminho como processo artístico (de que o mapa é também símbolo), da libertação para a elevação, conduzindo à criação.

Demoremo-nos na estória que se desenrola à nossa frente. Na noite primordial, perturbada pela faísca do fogo que aquece e protege, revela-se um homem. Na manhã seguinte, esse homem inicia o seu percurso, despojando-se do artifício e regressando à Natureza.

Vemos a partida através da ruína de uma janela. Registo duplamente simbólico da artificialização — a janela, como incipiente registo paisagístico, e a ruína, metáfora que não carece de qualquer explicação extra —, o homem obedece, a partir de agora, apenas aos elementos.

Acompanhando um curso de água, como a linha de uma escrita pré-determinada da paisagem, este vídeo — parte obra documental, parte ficção — permite-nos testemunhar o itinerário de uma personagem (um alter ego a que o autor se refere como “ele”) na sua deambulação metafórica.

Ao longo de vários dias, o homem erra pelos caminhos. Seguindo os seus passos, ouvindo o que ele ouve e pisa, percebendo o que ele vê, reconhecemos a sua solidão. O seu ritmo é o do mundo físico. O seu tempo distancia-se do artificial cronos urbano, sendo antes marcado pela alternância de dias e noites e pela cadência dos seus passos. O filme convida assim à contemplação, a um modo silencioso e demorado de ver.

Observamo-lo. Caminha, pára, retempera-se, limpa-se, alimenta-se, abriga-se, dorme. Se o sono é duplo da morte, despertar é renascer. A sequente descoberta de um espelho, significativamente encontrado dentro de água, duplicando os seus poderes de reflexão, e os sentidos do reflectir, relança-nos no mistério da vida, da consciência e da representação. Sendo um possível meio de auto-conhecimento, um domador do visível, enquadrando-o e apropriando-o, o espelho — doravante mais constante na narrativa — é a um tempo o acesso e a interdição da passagem para o outro, marcando a cisão entre o real e o que dele fazemos através do olhar e dos nossos percursos imaginados.

Tal como a personagem do filme, Pedro Vaz é um caminhante. A sua pintura, síntese estética do mundo, regista paisagens falsamente miméticas, que mantêm intactas as sensações captadas pela prática peripatética do autor. O registo que evoca ramagens, o emaranhado de folhas tecido de luz e sombras, desperta em nós recordações de passeios por lugares semelhantes. A abstracção amplia o onirismo, tanto na pintura como neste registo fílmico, com a sua fotografia a preto e branco, evocadora da tinta-da-china do desenho.

Como sempre acontece na obra de Pedro Vaz, os locais pintados, fotografados ou, neste caso, filmados, não são fortuitos. Registam um itinerário interior, conquista de obstáculos pessoais através da sucessão de passos com que o artista transpõe distâncias para tecer o seu processo gnoseológico (do conhecimento) e estético (dos sentidos). Tal é o caso de Tour du Mont Blanc. Ou de Monólito, percurso traçado sobre um trajecto que o pintor tem percorrido com frequência ao longo dos últimos dez anos. A paisagem é uma perspectiva e, nesse sentido, um topos pessoal; quer dizer, um modo de contar a parte que nos cabe a ver, porque jamais vemos tudo o que há, já que o nosso olhar exclui a maior parte do visível, centrando-se nas linhas da sua íntima construção imagética.

Formalmente, a voluntária ausência de realismo — a opção pela sugestão — liberta-nos para a percepção personalizada, provocação estética da nossa imaginação. A captação directa do som, sem adição nem edição de efeitos (exceptuando a parte final do filme), transporta-nos também para a intimidade deste percurso. Faíscas, fogo, vento, trovoada, chuva, pios de rapinas e danças de ramagens, passos, cascalho, água corrente, tudo se mistura ao corpo que atravessa a paisagem e às árvores, à cinza, ao ar que tudo move, resultando na ampliação do sentido da sua própria respiração. O corpo que desenha o percurso torna-se parte do percurso. A sua respiração é também a nossa.

Classicamente perdido para se reencontrar, o caminhante, já com os pés nus sobre o solo, depara-se com uma gruta (em tempos, um santuário fenício), na qual entra para descobrir um objecto indeterminado. Viagem terminada ou início de nova navegação? Que descobrirá esse homem nesse objecto desconhecido? Para o sabermos, teremos também nós de operar a nossa própria viagem. E assim a exposição convida à descoberta do Monólito, entre as árvores da Mata. Que descobriremos?

Mais do que o mundo, Pedro Vaz relembra-nos que a criação resulta do encontro da experiência e síntese racional do existente com o imaginado. Entre a pedra que cabe na palma da mão e um monólito com dimensões generosas, em sugestão de nave espacial, a diferença reside sempre no sujeito que olha e cria a viagem.

Por isso, caminhar é muito mais do que uma mera possibilidade de ver. É sobretudo darmo-nos a possibilidade de ser. É ouvir a respiração do mundo, sentir a sua pele, ver as suas pregas, apercebermo-nos das dificuldades e encantamentos do trajecto. Surpreendermo-nos. Com o que nos assusta e também com a beleza. Para, a cada descoberta, constatar que o mistério do todo, incluindo a capacidade de criar, permanece intacto nas nossas mãos.

 

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